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Uma queda de braço de R$ 30 bilhões: Ao forçar mudanças no crédito rotativo e acenar com a redução de prazos de pagamento

Inserir o cartão de crédito no POS, a famosa maquininha. Conferir o valor a pagar. Digitar a senha. Esperar pela aprovação. Guardar (ou jogar fora, depressa) a sua via do comprovante. Aguardar a fatura e, se o dinheiro der, pagá-la à vista. Se não, financiar a compra no crédito rotativo, pagando juros que chegaram a 480% ao ano em novembro passado. Corriqueira, a operação descrita acima tornou-se parte do ecossistema econômico brasileiro. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), ela foi realizada 12,1 bilhões de vezes (sim, bilhões) nos 12 meses findos em setembro passado.

Desse total, 5,5 bilhões de pagamentos foram realizados com cartões de crédito. Agora, esses pagamentos estão no âmago de uma disputa entre o sistema financeiro e as autoridades monetárias. O governo mobilizou sua artilharia regulatória para mudar as regras desse jogo, e fazer com que parte do dinheiro ganho pelas empresas de pagamentos migre para o consumo e ajude a estimular a economia. É fácil entender o porquê. A Abecs estima que os cartões de crédito movimentaram R$ 705 bilhões no ano passado.

Os comerciantes pagam uma taxa média de 2,8% sobre o valor da venda, e também arcam com o aluguel mensal das maquininhas. Para oferecer ao cliente o pagamento com cartão, o varejo gasta R$ 30 bilhões por ano. Se fosse auferida por uma única corporação, essa cifra a colocaria no 25º lugar na edição de 2016 do anuário AS MELHORES DA DINHEIRO. E isso sem falar de outra grande fonte de recursos para a indústria de pagamentos, a antecipação dos recebíveis, cujas taxas são, em média, de 3% ao mês, ou 42,5% ao ano. Vários agentes dividem esse dinheiro. Os principais são os maiores bancos de varejo, que emitem os cartões, e empresas como Cielo, GetNet e Rede, profundamente ligadas aos bancos.

Essas companhias são responsáveis pela chamada adquirência: cadastram estabelecimentos comerciais e instalam as maquininhas. Também há bandeiras internacionais, como Visa, MasterCard ou American Express, que garantem o funcionamento do sistema fora do Brasil. Mais recentemente, uma miríade de pequenas empresas e startups chegou para disputar uma fatia desse bolo. O primeiro lance dessa queda-de-braço veio no dia 22 de dezembro, com o anúncio de que o governo estava limitando o crédito rotativo a 30 dias.

“A ideia é que, passado esse prazo, o consumidor possa migrar para o crédito parcelado, em até 24 meses, e com taxas mais baixas”, disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ao anunciar as medidas. Ele disse também que, se as taxas não caírem, o prazo de repasse para os lojistas teria de ser “significativamente reduzido”. Para mostrar que falava sério, o governo publicou, no dia 26 de dezembro, a Medida Provisória (MP) nº 764. Em seu único artigo, ela autorizou a diferenciação de preços dependendo da forma de pagamento.

No único parágrafo, declarou inválidas as cláusulas dos contratos fechados entre o comércio e as empresas de pagamentos que vetam essa prática. Sucinta, a MP pode provocar um terremoto. Em uma entrevista coletiva no dia do anúncio, Marcelo Noronha, presidente da Abecs, disse que, como o governo, a Associação queria “criar alternativas melhores para o consumidor”, e foi diplomático ao comentar o prazo. “Isso ainda precisa ser discutido, vamos aguardar a normatização pelo Banco Central, que deve vir em março.”

Ao oferecer ao comerciante a possibilidade de arbitrar o que é mais vantajoso, se vender com dinheiro concedendo um desconto, ou se cobrar no plástico pelo preço cheio, o governo está fazendo força para estimular as vendas. “Na atual conjuntura é o lojista quem paga pelo capital de giro, enquanto não recebe o pagamento do cartão”, diz o empresário Sergio Kulikovsky, criador da empresa de cartões pré-pagos Acesso. “E ninguém espera tanto quanto o comerciante brasileiro.”

No Brasil, os pagamentos com cartões têm algumas jabuticabas. Uma delas é o parcelamento. “Isso só existe aqui e em Israel”, diz Kulikovsky. Outra é o prazo que o comerciante demora para receber. Quando um cliente compra com cartão de crédito, ele tem, em média, 23 dias para pagar. Já o comerciante recebe 30 dias depois de vender. Assim, os bancos ganham seis dias para aplicar centenas de bilhões de reais no mercado financeiro. “Não é um caminhão de dinheiro, é uma fila de caminhões de dinheiro de quilômetros de extensão, à disposição dos bancos”, diz um empresário que presta serviços para as grandes empresas de adquirência.

Se o prazo das vendas com cartão de crédito fosse igualado aos dois dias dos Estados Unidos, uma multidão de comerciantes Brasil afora teria um forte alívio no fluxo de caixa. “As lojas vão preferir conceder descontos nos pagamentos à vista, o que deve fazer os cartões oferecerem vantagens, que acabarão chegando ao consumidor”, diz Fábio Pina, assessor econômico da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio). E é exatamente essa a intenção de Brasília ao editar a MP. Já os bancos perdem. Em vez de terem dinheiro sobrando para aplicar, eles teriam de captar dinheiro no mercado para cobrir essa diferença de prazo.

“Mexer nisso poderia desacelerar o crescimento do uso dos cartões, que avançou em média 8% ao ano nos últimos anos”, diz Igor Marchesini, CEO da start-up de pagamentos SumUp. “Se o emissor do cartão tiver de financiar esse prazo, ele terá de cobrar de alguém, e isso pode encarecer as vendas para o lojista em mais de 1% ao mês, aumentando a vantagem para os pagamentos em dinheiro.” Start-ups como a Nubank, que oferece um cartão de crédito sem anuidades nem tarifas, sofreriam bastante.

A empresa lucra com parte das taxas pagas pelos comerciantes. A redução dos prazos de pagamento obrigaria a companhia a levantar dinheiro para fazer frente à nova exigência. Quando a Medida Provisória foi decretada, Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, reclamou. “Se o prazo cair de 30 para 5 dias, nós precisaríamos de quase R$ 1 bilhão em capital adicional do dia para a noite, e se o prazo cair para dois dias fechamos as portas”, disse ela. Procurada, a Nubank não falou com a DINHEIRO.

Como em toda boa queda de braço, essa ainda não tem um ganhador definido. Procuradas, as empresas de adquirência foram unânimes em dizer que o porta-voz autorizado é a Abecs. Por sua vez, a Associação disse que não comentaria o assunto, pois ele ainda depende de regulamentação. No entanto, uma decisão governamental que muda as regras de algo que ocorre 5,5 bilhões de vezes por ano no Brasil é o proverbial vespeiro. Esperam-se muitas idas e vindas. A conferir.

Fonte: cartoes-uma-queda-braco-de-bilhoes

marcos

Professor, Embaixador e Comendador MSc. Marcos Assi, CCO, CRISC, ISFS – Sócio-Diretor da MASSI Consultoria e Treinamento Ltda – especializada em Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos, Controles Internos, Mapeamento de processos, Segurança da Informação e Auditoria Interna. Empresa especializada no atendimento de Cooperativas de Crédito e habilitado pelo SESCOOP no Brasil todo para consultoria e Treinamento. Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUC-SP, Bacharel em Ciências Contábeis pela FMU, com Pós-Graduação em Auditoria Interna e Perícia pela FECAP, Certified Compliance Officer – CCO pelo GAFM, Certified in Risk and Information Systems Control – CRISC pelo ISACA e Information Security Foundation – ISFS pelo EXIN.