Bancos querem alívio em regras de liquidez
Para enfrentar a partir do ano que vem uma nova regulação que vai exigir dos bancos mais ativos líquidos em seus balanços, as instituições financeiras pedem ao Banco Central (BC) o uso de uma parcela maior ou até integral dos depósitos compulsórios. A ideia é que a reserva mantida no BC, que soma R$ 386,1 bilhões, seja considerada no cálculo de um novo índice de liquidez, que os bancos terão de reportar mensalmente.
A partir de abril de 2015, os bancos vão precisar ter uma reserva mínima de ativos de alta liquidez, aqueles que podem ser transformados em dinheiro rapidamente em períodos de estresse. É o caso, por exemplo, de títulos públicos e ações de empresas frequentemente negociadas em pregão.
Pelas novas exigências, a razão entre o estoque desses ativos e o total de saídas líquidas de caixa previstas para um período de 30 dias deverá resultar em um índice de 60%. Até 2019, quando a regulação se tornará ainda mais rigorosa, os bancos vão precisar reportar um índice, conhecido como LCR (“Liquidity Coverage Ratio”, em inglês), de no mínimo 100%.
O índice só precisa ser apurado por instituições com ativos superiores a R$ 100 bilhões, o que atualmente inclui Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Santander, HSBC, Safra e BTG Pactual.
Cálculos da autoridade mostram que em junho os bancos precisariam de R$ 371,2 bilhões para cobrir essas saídas. É um valor quase equivalente ao total de recursos que os bancos têm sob a forma de depósito compulsório no BC, por isso o anseio das instituições pelo uso dessas reservas.
O objetivo da norma, que está sendo adotada mundialmente dentro das regras de Basileia 3, é evitar que os bancos enfrentem problemas de liquidez em períodos de estresse, quando os saques costumam se intensificar.
Em minuta que já passou por audiência pública, o BC definiu que apenas uma pequena parte dos depósitos compulsórios poderão compor o índice de liquidez. “Essa parcela depende do perfil de operações dos bancos, mas corresponde a aproximadamente 20% do montante do compulsório, dependendo do banco”, diz uma fonte que preferiu não ser identificada.
As instituições querem usar parcela maior do depósito retido no BC, sob o argumento de que o compulsório, por si só, já compõe uma reserva de liquidez. O Valor apurou, porém, que para o BC, enquanto o compulsório é uma reserva de liquidez do sistema, o LCR deve representar uma medida de liquidez individual, para casos específicos de cada instituição. Por isso, o regulador ainda avalia o pedido do setor.
Além disso, o compulsório é utilizado como instrumento de política monetária e pode trazer impactos ao índice nos períodos em que sofre mudanças.
Outro argumento dos bancos brasileiros é que a não inclusão do compulsório no cálculo pode significar perda de competitividade na comparação com instituições estrangeiras. No Brasil, o compulsório médio representa cerca de 30% dos depósitos dos bancos. Na Argentina, segundo país com maior alíquota de compulsório, equivale a 20%, seguida pelo México, com 10%.
Segundo fontes, os bancos veem a medida de liquidez com bons olhos, mas tentam flexibilizar a norma pensando no futuro e em diferentes condições de mercado.
Na prática, se os bancos puderem utilizar uma parte significativa do compulsório para compor o índice, será mais fácil atender a norma em períodos de menor liquidez, especialmente em momentos de expansão do crédito.
O diretor da Deux Consultoria e professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Marcelo Allain, explica que, em determinados momentos da economia, é possível que os bancos tenham de escolher ativos menos rentáveis para manter o índice em linha com o requerido.
É possível, por exemplo, que um banco tenha que alocar recursos em títulos públicos em vez de liberar crédito. Mas Allain lembra que os bancos brasileiros estão bem posicionados no momento em termos de liquidez. “O BC fez simulações para evitar esse impacto. O índice pode ser um limitador para a expansão das carteiras de crédito, mas não é algo que impede o crescimento atualmente”, diz.
Por enquanto, com a economia fragilizada e a restrição do mercado de crédito, liquidez não é um problema para os bancos. O Valor apurou que ao menos três grandes instituições já teriam um LCR maior que 100%, ou seja, já estariam preparadas para atender o requerimento em 2019.
O diretor de relações com investidores do Itaú Unibanco, Marcelo Kopel, diz que os atuais critérios de gestão de liquidez aplicados no banco permitem que a instituição enfrente a nova regra com tranquilidade, mas diz que o sistema pode ser afetado de formas distintas de acordo com o momento. “Depende do crescimento da economia e da velocidade que os bancos vão expandir seus balanços. Mas no próximo ano e meio não vejo nenhum drama pela frente”, disse.
Executivos de dois outros grandes bancos também afirmaram que, atualmente, o atendimento à norma não preocupa e que só vai trazer mudanças operacionais e tecnológicas.
Procurado pela reportagem, o BC não comentou. A autoridade está avaliando as sugestões enviadas pelos bancos e promovendo encontros para discutir pontos específicos da regra. A expectativa é que a circular com o novo indicador seja publicada até o fim do ano. (Colaborou Carolina Mandl).
Leia mais em:
http://www.valor.com.br/financas/3745030/bancos-querem-alivio-em-regras-de-liquidez#ixzz3H1TgSLVu